sábado, 11 de abril de 2009

An die Musik, cap. 1: "Esta canção sou eu".


Hoje trago-vos uma das delícias musicais mais tocantes que conheço.
Friedrich Rückert escreveu o poema, e Gustav Mahler (1860-1911) musicou-o de forma magistral. Mahler é o primeiro dos compositores da música erudita que vos mostro, e é uma escolha especialmente feliz para começar. Sobre a canção que vos mostro, Mahler, sempre tão impregnado de música e de paixões, terá dito: "esta canção sou eu". Trata-se da canção Ich bin der Welt abhanden gekommen, a minha canção erudita preferida.

A canção é comummente apresentada como parte de um grupo de 4 (ou 5) Rückert-Lieder. Foi originalmente escrita para voz e piano, mas sempre foi intenção de Mahler orquestrá-la. Embora o próprio Mahler tenha dito que todas as suas canções foram concebidas tendo em mente vozes masculinas, não discriminou na partitura desta canção essa preferência.

Assim, embora eu adore as versões com piano e também prefira Mahler cantado por homens, decidi mostrar-vos a versão mais bela que conheço, que é cantada por uma grande senhora da canção - de facto, uma das melhores cantoras de Mahler: a mezzo-soprano inglesa Janet Baker, que vai ao fundo desta maravilha como ninguém (Fischer-Dieskau que me desculpe, mas nunca soube ser tão subtil nesta canção tão delicada...). Ms. Baker, ou melhor, Dame Janet Baker, é acompanhada nesta gravação pela New Philharmonia Orchestra, sob a sensível direcção de um atento e receptivo Sir, John Barbirolli, numa parceria verdadeiramente plena e mágica captada em 1969.

Baker e Barbirolli haviam já gravado esta canção em 1967, com a Hallé Orchestra. A pedido do próprio Barbirolli, essa gravação anterior foi tocada no seu funeral. Um excelente e comovente tributo à "sua" orquestra, a esta cantora com quem tão bem fez música, a esta canção sublime, a Gustav Mahler e, porque não?, à Música como bem precioso da humanidade. Eis o poema e respectiva tradução em baixo.


Ich bin der Welt abhanden gekommen

Ich bin der Welt abhanden gekommen,
Mit der ich sonst viele Zeit verdorben,
Sie hat so lange nichts von mir vernommen,
Sie mag wohl glauben, ich sei gestorben!

Es ist mir auch gar nichts daran gelegen,
Ob sie mich für gestorben hält,
Ich kann auch gar nichts sagen dagegen,
Denn wirklich bin ich gestorben der Welt.

Ich bin gestorben dem Weltgetümmel,
Und ruh' in einem stillen Gebiet!
Ich leb' allein in meinem Himmel,
In meinem Lieben, in meinem Lied!

Friedrich Rückert (1788-1866)


Estou perdido para o mundo

Estou perdido para o mundo,
Onde outrora consumi os meus dias,
Há tanto que não tem noticias minhas,
Bem pode acreditar que morri!

Também já não faz diferença,
Que me considere morto.
Não posso sequer dizer o contrário,
Pois, na verdade, morri para o mundo.

Morri para o bulício do mundo
E descanso numa região serena
Vivo sozinho no meu céu,
No meu amor, na minha canção!


Sintam o silêncio, fechem os olhos e ouçam o céu e o amor numa canção... aqui.

MAHLER

Kindertotenlieder
5 Rückertlieder
Lieder eines fahrenden Gesellen

EMI 0724356699625


Recomendo vivamente este disco a qualquer pessoa que goste de canções. Quem gosta de Mahler já conhece este disco, ou pelo menos já ouviu falar dele. Contém os três famosos ciclos de Mahler em interpretações lindíssimas na voz daquela que é talvez a mais consensual cantora deste repertório, ainda por cima com um acompanhamento excelente. Contém ainda a gravação de 1967 desta canção que referi acima.

Futuramente Mahler voltará concerteza a embelezar este espaço... Ou não tivesse sido Mahler o grande responsável por um lento encanto que há quase cinco anos fez - e faz ainda - revigorar a música na alma de quem aqui a deixa. Para que todos possam ouvir e revigorar também a sua alma de poesia.

Olha aqui este jogo... que eu inventei!

Meus amigos,

Há já meses que o amigo ZP resolveu falar-me de uma coisa que era demais, que ele tinha visto uns dias antes. Era demais o tal Bruno Aleixo, dizia ele efusivo. Mais um comediante, pensei (sobretudo depois de ele já me ter falado de um outro que não achei brilhante). Ah, mas ele insistia: o boneco era mesmo irritante, que falava no café do Aires, e que dizia "cocó" e se desmanchava a rir, etc., etc... Facilmente deduzirão que, como aliás acontece frequentemente com as tentativas de descrição do ZP, não entendi nada do que ele estava para ali a misturar, todo contente, a achar que eu estava a imaginar o que ele tinha visto. E confesso que fiquei logo a pensar que aquilo não ia ter grande piada, mas OK, mostra lá, ZP.

O que aconteceu foi que aquilo era tão esquisito, mas tão esquisito, que de facto não tinha grande piada. Mas à medida que ia vendo mais "conselhos", "mensagens" e vídeos do "Aleixo na Escola", cada vez me ria mais. Até que chega à nossa beira uma menina toda simpática e eis o que vê: o ZP a rir-se um bocadinho enquanto eu ria como já não me lembrava, a chorar cada vez mais, e já sem conseguir respirar, cheio de dores de barriga. Pois foi isso que decidi pôr aqui, os vídeos que me levaram a fazer tal figura.

Supostamente este ser estranho nasceu em 1957 e morreu em 2008. Ou talvez não, como verão. Natural de Coimbra, começou por gravar imensos conselhos extremamente sensatos para a posteridade. Entretanto mudou de cara e até já tem programa na SIC Radical, mas os vídeos que aqui estão são ainda os anteriores à "operação". Para mim são o ideal para começar. Decidi pô-los pela ordem que me parece a melhor para quem não conhece ainda.

Divirtam-se, e se chorarem, espero que alguém apareça inesperadamente para ver e depois ir contar a toda a gente. Eu fiquei a rir-me sozinho de vez em quando durante 15 dias seguidos. Quem teve de aturar foi gente tão parva como eu, e por isso é que ainda posso pôr isto aqui sem ter medo que me ofereçam caridosamente o "Camilo em Sarilhos II".


Bruno Aleixo - Os conselhos que vos deixo:






















Bruno Aleixo - As mensagens que deixo pra você:






Bruno Aleixo almoça com Nuno Markl:




Bruno Aleixo - Aleixo na escola:
















P.S.: Cuidado... isto pega-se! A cereja em cima do bolo é que o Bruno tem hi5, facebook, myspace e orkut! ;P

sábado, 17 de janeiro de 2009

O sabor da ternura

Há uma senhora com quem tenho convivido no meu dia-a-dia dos últimos meses que é muito especial. E é também uma cozinheira de se lhe tirar o chapéu. Aos seus oitenta e um anos, levanta-se bem cedo para passar horas e horas a preparar-nos cada refeição, com muito cuidado, apuradamente. Depois, já à mesa, sorri quando a refeição é elogiada - que é o mesmo que dizer que sorri a todas as refeições, feitas de cozinhados mesmo deliciosos, de ficar com água na boca. E gosta tanto de cozinhar que muitas vezes a comida é mais do que a necessária e acaba por sobrar. Ou, melhor dizendo, acaba por "crescer". É assim que lá se diz, em Castelo Branco, de onde vem. "Pois, então... as batatas cresceram... Está certo. Então não é?!".

Estando em Castelo Branco, a Dona Feliciana dá sempre um pouquinho das suas delícias aos vizinhos, que seguramente até estranham quando vem embora para cá, "para o Porto". Mas se cá não tem esses vizinhos, tem uns clientes muito especiais, pelo menos no Verão: há bem pouco tempo, todas as manhãs partia pães aos bocadinhos pequeninos, e porquê? "É para dar aos meus amigos". E assim, todas as manhãs de Verão, muitos passarinhos se alimentavam de ternura. :)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

De como encontrei pequenezas com o tamanho do mundo

Ante o frio,
faz com o coração
o contrário do que fazes com o corpo:
despe-o.
Quanto mais nu,
mais ele encontrará
o único agasalho possível
- um outro coração.

Conselho do avô

(lido em Mia Couto, A Chuva Pasmada)



Quero saltar para a água
para cair no céu.

Pablo Neruda, Crepusculário

(lido em Mia Couto, A Chuva Pasmada)



Make love

(lido num restaurante chinês)

No palco, belezas

Vejam "Os Saltimbancos", musical aprimorado por Chico Buarque, no Teatro do Campo Alegre!!! Singelo, humano e mesmo comovente!

Orgulho gigante numa lua partida ao meio... Obrigado!

Origens reveladas

O subtítulo deste blog é uma homenagem a uma personalidade muito especial. E o título também, assim me diz uma reflexão mais atenta.

Trata-se de um dos meus poetas preferidos. Há quem lhe chame letrista. Há quem lhe chame compositor. Há quem diga que é um óptimo letrista, e um bom compositor, o que deixava Vinícius de Moraes danado: o "poetinha" frisou bem que Chico Buarque brilha em ambas as tarefas. Para mim, as letras de Chico Buarque são, inúmeras vezes, poesia. Da mais engenhosa, subtil e profundamente deslumbrante que conheço. Ouçam e conheçam!


AS VITRINES

Eu te vejo sair por aí
Te avisei que a cidade era um vão
-Dá tua mão
-Olha pra mim
-Não faz assim
-Não vai lá não

Os letreiros a te colorir
Embaraçam a minha visão
Eu te vi suspirar de aflição
E sair da sessão, frouxa de rir

Já te vejo brincando, gostando de ser
Tua sombra a se multiplicar
Nos teus olhos também posso ver
As vitrines te vendo passar

Na galeria
Cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão


(no álbum "Almanaque", de 1981)

Apresentação

Olá!

Nasceu este espacinho, onde ficarão algumas coisas que me povoam o brilho dos olhos no momento em que cá as deixo. Espelhos de palavras, de sons, de imagens.

(com gratidão a Damasco e Esparguete por me terem inspirado este espaço, de mansinho)